Resenha: Sonic - O Filme (2020)

O ouriço azul da Sega fez sua estréia na tela de prata. Vale a pena assistir?


Parecia uma piada quando os primeiros rumores de um filme live-action do Sonic the Hedgehog começaram a pintar na Internet, ainda em 2015. Os rumores ficaram mais absurdos quando Jim Carrey foi apontado para interpretar o vilão Dr. Robotnik (Eggman) no filme, um ator conhecido por grandes sucessos de comédia, mas que na época era apenas uma sombra do que era nos anos 90. O script pulou de estúdio em estúdio até cair no colo da Paramount e a produção começou pra valer. Após uma complicação enorme com os designs iniciais do Sonic, resultando em um adiamento de 2019 para fevereiro de 2020, o filme saiu e... ele é bom? Ele é bom mesmo! A crítica especializada não achou o filme especial, mas a opinião dos fãs e curiosos parecia unânime: Sonic - O Filme é divertido! Eu não sou crítico de cinema, sou apenas um fã do ouriço, mas eu quero fazer essa reflexão de como Sonic - O Filme quebrou o estigma inicial e se tornou um dos melhores ou o melhor filme baseado em um videogame na história. Alerta de spoilers!

Sonic é um filme bem simples, é basicamente uma história de origem para o herói Sonic, e o vilão Dr. Robotnik, e por essa razão o enredo é centralizado no conflito entre eles dois. Um dos maiores problemas de filmes baseados em games e filmes de "um brother com um bichinho CGI" é a super complicação. O filme não perde muito tempo com explicações desnecessárias e em 20 minutos já tem todos os principais personagens estabelecidos e prontos para a aventura. Em alguns momentos você pode pensar que o filme está correndo com a narrativa, e do meu ponto de vista parece que algumas cenas foram cortadas ou posicionadas fora de ordem durante a edição - talvez por causa do redesign do Sonic - mas isso ajuda a deixar claro a mensagem que esse é um filme do Sonic o Ouriço antes de tudo. Filmes de games se perdem em tentar contar histórias que são muito maiores e complexas do que o material fonte, e os filmes do bichinhos CGI vindo parar no "mundo real" perdem tempo com exposição de personagens humanos secundários e apelação para tendências passageiras. Por falar em humanos, essa é uma boa hora para falar do outro personagem principal.


Tom Wachowski é um policial da cidadezinha de Green Hills, que sonha em sair do interior e se tornar um guarda de rua de verdade na grande cidade. Não é a primeira vez que Sonic se mistura com humanos, temos muitos exemplos nos jogos, e Sonic X tinha uma premissa bem parecida com a desse filme. O que diferencia o Tom do infame Chris Thorndyke é que Tom é realmente útil. Sendo ele um policial que desejar "salvar vidas", Tom toma um papel bem mais ativo na trama, ao invés de ficar apenas reagindo e fazendo papel de bobão - como é de costume do "brother" nesse tipo de filme. Há uma confusão inicial e um pequeno desentendimento entre ele e o Sonic até metade do filme, mas isso logo é resolvido para deixar todo o 3º Ato livre para as cenas de ação com o Robotnik. Eu achei que a atuação do James Marsden poderia ter um pouco mais de emoção em algumas partes, mas como o filme não foca muito na vida dele então isso não atrapalha muito. A outra personagem de suporte é a Maddie (Tika Sumpter), esposa de Tom, que não tem muito destaque no enredo, mas ajuda Sonic a recuperar seus anéis.


Nesse tipo de filme, o humano geralmente tem a única função de ensinar para o bichinho CGI sobre a cultura humana (e americana), o que nesse filme chega até a ser uma ideia inicial, mas nos primeiros 10 minutos o filme estabelece que o ouriço chegou na Terra ainda criança e viveu sozinho por 10 anos, uma vida bem tranquila e completa até. Sonic não sofria por falta de comida ou por não entender costumes humanos, ele já se virava bem sozinho e curtia a vida da forma que podia. O conflito interno do Sonic era de não pode se revelar para as pessoas, com medo dele ser capturado para ter seu poder roubado. A grande narrativa do filme é com o Sonic conseguir se abrir e formar amizades verdadeiras com pessoas em quem ele pode confiar, e é aí que Tom, Maddie, e o povo de Green Hills entram. Naturalmente como Sonic até então passou anos em solidão, ele faz de tudo para ser notado e aceito quando a oportunidade surge: ele fala bastante, ele brinca, faz piadas, ele tenta impressionar o Tom com seus conhecimentos em cultura pop - e sim, nesse contexto aquela dancinha do Fortnite faz sentido - são as únicas coisas que ele sabe fazer. Eu assisti em inglês, então não sei como ficou a dublagem brasileira com a adaptação do humor do filme, mas Ben Schwartz fez um ótimo trabalho como a voz do Sonic no filme, entregando um voz amigável, ágil, brincalhão, e meio convencido. Não espere aquele Sonic super rebelde dos anos 90, mas o que temos aqui funciona bem no contexto no filme.


O que seria de um herói sem seu vilão? Ninguém melhor para interpretar um dos mais icônicos vilões dos videogames, do que Jim Carrey! Robotnik é literalmente um gênio  cartunesco exagerado com um ego maior que sua mente, e Carrey é praticamente um desenho animado vivo. O famoso ator conhecido por filmes e personagens de grande sucesso como O Máskara (1994) e Ace Ventura (1994) perdeu muita relevância na segunda metade dos anos 2000, com seus últimos filmes falhando em resgatar o brilhantismo pelo qual o comediante se consagrou. Quando a carreira de Carrey nos filmes parecia condenada ao fim, a oportunidade de interpretar Robotnik no filme surge e ele realizou com maestria. Nesse ponto eu discordo da a opinião de que a interpretação dele foi de "um Ace Ventura maligno", eu gosto muito dos dois filmes do Ace Ventura e da série animada, e o Robotnik aqui é bem mais um personagem único.


De acordo com Jim em entrevista, a ideia inicial para o personagem surgiu com "a origem do mal", então temos aqui a transformação de um gênio incompreendido, para um maníaco obcecado pelo seu objetivo. O filme trata de dar uma explicação para o comportamento do vilão, com ele sendo órfão e ter sido bolinado quando era criança, e ter jurado nunca deixar ninguém ficar por cima dele outra vez. Porém, da forma como Jim conta isso no filme não nos sentimos mal pelo Robotnik, na verdade, somos encorajados a rir do personagem. Não há justificativa, Robotnik é esquisito e excêntrico e por isso ele é o vilão e Sonic o mocinho.


Alguns detalhes sobre o design do Robotnik nesse filme me chamam a atenção: o bigode, ainda pequeno e arrumadinho, é uma referência ao visual clássico de vilões em antigos cartoons. O uniforme preto do Robotnik e seu assistente Agente Stone (Lee Majdoud) representam um possível mal adormecido, com os detalhes em vermelho simbolizando a raiva que o cientista sente internamente. Na famosa cena da dança, quando Robotnik abre seu colete e revela o interior avermelhado é o início da transformação, de missão do governo, para uma rivalidade pessoal. Ao conseguir um fragmento do poder do ouriço e vestir o traje de voo carmesim, Robotnik se entrega mais ao mal que antes estava escondido dentro de si. A cena da luta final, quando ele sai do portal do anel no meio de Green Hills é a simbolização da transformação completa de Robotnik para Eggman, ele já não é mais apenas um megalomaníaco, ele abandonou sua humanidade totalmente e não pertence mais àquele mundo.


Um outro detalhe curioso no filme é que o Sonic tem uma mania de dar apelidos baseados em comida para as pessoas. Tom é o "Donut Lord" (Senhor das Rosquinhas), Maddie é a "Pretzel Lady" (Moça do Pretzel), e o Robotnik obviamente ganha o apelido de Eggman, fazendo não só referência ao nome original japonês do personagem, como também ao gosto dele de construir robôs em formatos ovais. Também é interessante notar que tanto anéis e rosquinhas tem o mesmo formato, simbolizando que Sonic e Tom foram feitos para serem amigos.


Os roteiristas Patrick Casey e Josh Miller sabiam o que queriam e não tiveram vergonha de ser assim: um filme para crianças, um filme para a família assistir. Acho que ficamos tão acostumados com os roteiros super elaborados de produções como os filmes do MCU na última década que chega a ser revitalizante ver um filme dessa proporção ser tão confiante na sua simplicidade. Nessa  primeira empreitada no universo cinematográfico do ouriço, a Sega e a Paramount se focaram em manter a escala das coisas bem pequenas, para não inundar novos fãs com quase 30 anos de lore dos jogos do Sonic. Existe sim uma história mais profunda sendo contada nas entrelinhas, com o Sonic querendo se abrir com as pessoas e ganhando forças através das amizades que ele forma, já o Robotnik se fecha para o mundo e procura poder e segurança na lealdade das suas máquinas. Isso até que dá um tom mais poético para a rivalidade entre os dois, e certamente eles ainda irão se rever nas telonas no futuro.

Considerações finais

Filmes de videogames costumam ser falhos porque a mídia do jogo eletrônico é o total oposto do filme: um jogo você controla as ações de um personagem e participa ativamente na narrativa, um filme você assiste passivamente, sem poder dar entrada na trama. Quando você perde esse elo entre jogador e o jogo, a obra se torna bem menos interessante para o fã, e quem não conhece dificilmente vai parar pra ver filme de jogo a menos que seja algo muito popular. Adaptar a trama de um game para um filme também não é algo fácil, pois os roteiristas ficam presos entre fazer um enredo original, o que pode irritar fãs do material fonte que querem uma experiência mais fiel, ou copiar a mesma premissa do jogo, o que se torna inútil, pois, quem quer assistir um videogame quando se pode jogar? 

Sonic - O Filme foge desses problemas pois Sonic the Hedgehog por si só tem potencial para contar muitas história que não dependem do gameplay dos jogos. Sonic é o Sonic, e não o jogo. O mascote da Sega já passou por tantas iterações em games, quadrinhos, e TV, que não é difícil imaginar Sonic - O Filme como mais uma nova interpretação do ouriço, uma versão que os fãs aprovaram. Então é isso, Sonic - O Filme que tinha tudo para dar errado e ser mais uma mancha na carreira do corredor azul, deu a volta por cima se tornou o maior sucesso dos filmes baseados em games, e possivelmente será o maior sucesso de bilheteria de 2020. Recomendo assistir, para toda a família.

Mesmo assim, essa coisa nunca será esquecida

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