Resenha: Pulseman, a joia perdida do Mega Drive

Antes do Pikachu, outro herói elétrico assumiu o papel de mascote da Game Freak




Embora seja mundialmente famosa pelos jogos da franquia Pokémon, a Game Freak já se aventurou algumas vezes por outros estilos de jogos e outras IPs. Antes do lançamento de Pokémon Red e Green no Game Boy, a Game Freak era apenas esse estúdio promissor que estava tentando ganhar o seu espaço no mercado. Para isso, eles precisavam de bem mais do que jogos de qualidade e boas vendas, eles precisavam de uma identidade, ou melhor, um mascote. Foi daí que surgiu Pulseman, jogo de ação de plataforma lançado em 1994 para o Mega Drive, e hoje considerado um clássico cult da plataforma. Vamos conhecer um pouco sobre a história do primeiro mascote da Game Freak, 2 anos antes do Pikachu assumir o posto.





Lançado no Japão em 22 de julho de 94, Pulseman foi o primeiro projeto de 100% autoria da Game Freak, desde o desenvolvimento, até a distribuição. Seguindo a onda dos mascotes coloridos e descolados dos anos 90, Ken Sugimore e Satoshi Tajiri se juntaram para esboçar o conceito de um novo personagem que se tornaria o mascote da Game Freak. Utilizando o estilo de ação rápida dos jogos do Sonic que estavam em alta na época, a dupla de game designers esboçou a figura de um super herói. Em entrevista ao portal Sega Voice, Sugimore contou que o objetivo deles  na época era fazer um jogo onde o gameplay fosse além do que Sonic tinha mostrado:


















“Se o Sonic o Ouriço corre na velocidade do som, então Pulseman correrá na velocidade da luz! [...] Se o Sonic é azul, então Pulseman será vermelho! [...] Se o Sonic corre por loops em 360 graus, então Pulseman irá se deslocar se forma retilínea! [...]” ~Ken Sugimore

Foi daí que surgiu a ideia de dar ao personagem poderes elétricos, para melhor justificar a sua agilidade no jogo. E assim surgiu Spark, o meio-homem, meio-programa de computador, capaz de gerar eletricidade em seu corpo. Só que a Game Freak deve ter olhado os nomes toscos dos outros jogos de plataformas com personagens descolados, porque só assim para eles terem percebido que Spark é um nome sem graça. Então, pouco antes do lançamento, o nome do jogo e do personagem foram alterados para Pulseman, um nome bem mais memorável.


Legal que a revista brasileira Super Game Power chegou a fazer uma preview do Pulseman, quando ele ainda se chamava Spark. Mas não acredito que esse jogo tenha sido lançado no Brasil, por razões que vou explicar mais ao final.

Com personagem e gameplay prontos, agora só faltava um enredo. O plano de fundo do jogo é o seguinte:

No longínquo ano de 1999, o cientista Dr Yoshiyama criou a inteligencia artificial perfeita, capaz de sentir emoções humanas. Ele chamou sua I.A de C-Life. Tamanha era a profundidade dessa I.A, que o pobre professor se digitalizou e se instalou no núcleo da C-Life, pois ele havia se apaixonado pela sua criação e queria "estar mais próximo dela".

Um certo tempo depois nasce Pulseman, produto da bizarra união entre um humano e uma C-Life. Tão único era o Pulseman, que ele podia se materializar no mundo real por vontade própria quando quisesse, e ainda podia gerar eletricidade em seu corpo.

Tudo parecia bem, mas viver no ambiente virtual por muito tempo corrompeu a mente do Dr Yoshiyama, o transformando no malvado Dr Waruyama. De volta ao mundo real, Waruyama se apossou de uma tecnologia chamada EUREKA, que trás seres da C-Life para o mundo real, e lançou o mundo todo em uma nova onda de ciberterrorismo. Agora cabe ao Pulseman lutar contra o seu próprio pai e dar um fim no reino de terror dele.

Basicamente o cara se casou com um PC.


O gameplay de Pulseman pode ser descrito como uma combinação de Megaman, com Sonic, com Sparkster: vá do ponto A, ao ponto B, destruindo inimigos em sem caminho, e no final tem um chefão . Com o botão C o herói titular pode pular para alcançar outras plataformas e evitar obstáculos. Com B ele faz um ataque elétrico normal que deve ser executado próximo ao inimigo. Tome cuidado com inimigos que são menores ou estão em um nível abaixo, para eles, agache antes de atacar. Apertando para cima e B faz o Pulseman mandar uma bicicleta.

Mas a característica mais importante do gameplay desse jogo é o sistema de eletricidade. Ao se deslocar por alguns instantes, Pulseman dá uma arrancada e atinge a velocidade máxima de corrida. Quando isso acontece, o herói gera eletricidade no corpo, e nesse estado o seu ataque normal se torna um projétil, perfeito para ataques à distância. 


Isso acaba sendo muito útil durante o jogo, já que o Pulseman corre muito rápido, e fica difícil fazer ele parar no lugar certo para atingir um inimigo, por causa da inércia. É, esse deve ser o ponto mais fraco de Pulseman, a física! Parece que o pessoal da Game Freak tentou replicar a ideia de como a física altera o impulso do Sonic, o mesmo acontece com aqui. O problema é que o Pulseman é meio pesadinho, o início da corrida dele é meio lento, e os pulos não chegam a ter muita distância por causa disso. 

Quando está no chão, parece que o Pulseman tem duas marchas, normal, e rápido, não é uma progressão natural da velocidade como nos jogos do Sonic. E como o Pulseman fica completamente desprotegido quando está no ar, é muito fácil trombar com algum inimigo ou obstáculo no caminho.  Mas se você não quer correr esse risco só para gerar eletricidade, então aperte o direcional duas vezes para esquerda ou direita para realizar um dash. Esse dash não tem muita função de auxiliar nos saltos, mas é uma forma mais ágil e controlada de carregar os poderes do herói.

O botão A é deixado para a técnica especial, o Voltekker. Se esse nome te soa familiar é porque esse é o nome japonês da técnica Volt Tackle dos jogos de Pokémon, ou "Investida Trovão", como ficou conhecida no Brasil. Aliás, na série Super Smash Bros, o Final Smash do Pikachu é baseado no Voltekker do Pulseman, referência super da hora! 


Quando estiver energizado, o Pulseman pode usar essa técnica para se lançar ao alto enquanto destrói tudo em sem caminho. Quando você bate numa parede, você vai quicando e quicando, até o movimento perder a força, ou você apertar A para parar. Funciona como o Dragon Boost de Freedom Planet e o jetpack de Sparkster, mas o Pulseman só pode ir para o alto na diagonal. Nas fases mais adiante o jogo introduz esses fios elétricos, que permite a utilização do Voltekker para você se deslocar em altas velocidades automaticamente. Eu acho interessante como essa mecânica foi inspirada no Sonic correndo por loops, e anos depois o jogo Sonic Colors trouxe a mecânica do Cyan Laser, que funciona de forma bem parecida com o Voltekker.

O jogo começa com 3 fases abertas, você escolhe a ordem. Após vencer os 3, mais estágios abrem, totalizando 7. O jogo não é difícil, mas pode ter uma curva de dificuldade elevada para alguns jogadores, muito por causa daquele problema com a física que eu comentei anteriormente. As fases, apesar de bem variadas, são muito longas. Muitas vezes você vai chegar ao final de uma sessão, achando que a fase terminou, só para ter a frustração de ver a fase continuar. O Pulseman pode tomar até 3 danos antes de perder uma vida. O nível de dano é representado pelas cores desse visor e das lâmpadas do próprio sprite do personagem: azul para saúde máxima; amarelo para alerta; e vermelho em nível crítico. Você pode pegar esses corações para restaurar sua vida.


Ao fim de cada fase você enfrentará um chefão. Todos eles são bem diferentes uns dos outros, tanto em design quanto em mecânicas. Após vencer a fase, você joga um minigame estimo Breakout, onde o Pulseman usa o Voltekker para destruir o máximo de blocos e ganhar pontos extras.


Pulseman é um dos jogos mais bonitos do Mega Drive. A fase de abertura é uma cidade futurista, mas após isso o jogo começa a explorar cenários mais variados, como florestas, casinos, e até arcades. Pela temática de ficção científica do jogo, é legal ver como as pessoas de 94 achavam como o futuro seria, afinal, essa foi a era que precede o boom da Internet.


Bom pelo menos com o VR a Game Freak acertou.

Os cenários podem ser bem coloridos e surreais, o que pode incomodar alguns jogadores. Se você tem sensibilidade a cores piscando, eu recomendo não jogar esse jogo. Ainda assim, Pulseman dá um show em sprite work. Os fundos geralmente usam algum truque de animação e distorção para dar um ar tridimensional aos cenários. Há muitas camadas de parallax, e uma surpreendente quantidade de vozes nos personagens, e eu não falo de uma ou duas palavras aleatórias, são frases e textos inteiros ditos por vários personagens.

Falando em som, a trilha sonora é muito boa também. Junichi Masuda utilizou uma versão modificada da engine SMPS 68000 para trazer músicas energéticas e inspiradoras, características do compositor. A propósito, o tema da fase Neo Tokyo foi utilizada como base da música de batalha do rival Barry de Pokémon Diamond, Pearl e Platinum. Faz sentido, Masuda compôs as duas faixas.


Será que o Barry é o Pulseman? Isso explicaria porque ele está sempre numa correria. Também não tem como não imaginar que o Pokémon fantasma e elétrico Rotom tenha sido inspirado no Pulseman.

--Por que Pulseman foi um fracasso?--

Do ponto de vista técnico, Pulseman é um dos jogos mais interessantes do Mega Drive. Ainda mais quando pensamos que esse jogo foi feito durante o desenvolvimento conturbado de Pokémon, quando as contas do estúdio ficaram super apertadas, e muitos empregados deixaram a empresa por atrasos nos salários.

Bem, Pulseman até que se saiu bem nas reviews japonesas, mas o problema era o Mega Drive em si. No Japão o Mega foi lançado em 1988 para competir com o PC Engine, e no início ele até que chamou a atenção do público. Mas Após o lançamento do Super Nintendo em 1990, o Mega perdeu espaço na sua terra natal. Nem Sonic ajudou ele a se levantar por lá.


Pra piorar, por algum motivo Pulseman foi lançado no ocidente através do serviço Sega Channel. Esse foi um serviço de distribuição digital de games para o Mega Drive criado pela Sega of America, em parceria com as empresas de TV à Cabo locais, iniciado em dezembro de 1994. Além do preço de instalação do equipamento e custo da mensalidade do cabo, todos os jogos do Sega Channel eram gravados em uma memória RAM, que era apagada toda vez que o console era desligado. Muitos jogos que eram apenas digitais foram perdidos por causa disso, e Pulseman, que chegou aqui em 95, entra nessa lista de jogos perdidos. E apesar do pioneirismo da Sega com o sistema online, nem todo mundo tinha acesso ao serviço, pois o Sega Channel foi lançado em apenas ⅓ dos EUA, e algumas partes do Chile, Canadá, Reino Unido, Argentina, e Austrália, o que limitou o alcance de Pulseman no ocidente. Pelo alto preço de acesso e volatilidade do Sega Channel, Pulseman deve ter sido apenas um fragmento de memória da infância por muitos anos. O serviço foi encerrado em 1998.


Me liguei que o Pulseman é um personagem que entra e sai das televisões. Talvez tenha sido por isso que ele foi lançado no Sega Channel.


Mas e o Brasil? É verdade que por aqui a TecToy sempre fez um ótimo trabalho com o hardware e jogos da Sega, mas infelizmente o Sega Channel não chegou por aqui. No seu lugar nós tivemos o Sega Meganet, que lançado em novembro de 95, e funcionava de forma parecida, mas usava a sua linha telefônica. O Meganet da TecToy tinha uma função mais utilitária, como ler e enviar e-mails, ler notícias, e quadrinhos. O alto preço da linha telefônica nos anos 90 e as taxas extras que alguns estados tinham que pagar inviabilizaram o Meganet para muitos donos do Mega Drive por aqui, mas ainda assim, ponto para a TecToy!

Já pensou se o jogo tivesse sido um sucesso e o Pulseman fosse o mascote da Game Freak, e não o Pikachu? Eu penso que a Sega of America perdeu uma grande oportunidade de divulgar Pulseman como um grande exclusivo do Mega Drive e um rival para o Mega Man da Capcom. Eu entendo que Sonic era o carro chefe da plataforma, mas a Nintendo tratou de dar ao Super Nintendo vários jogos e experiências diferentes, como Super Metroid, Donkey Kong Country, e F-Zero, eles não dependiam só do sucesso de Super Mario World. Pulseman era rápido, colorido, estiloso, e promovia o avanço da tecnologia, tudo isso se encaixava na visão da Sega of America. 

Uma pena, porque depois que você se acostuma com os controles e jogabilidade, o jogo flui muito bem. As ações de fazer o dash, carregar eletricidade, e atirar ficam enraizadas na sua mente até se tornarem segundo instinto. Nesse ponto, na minha opinião, Pulseman não só é um jogo de plataforma divertido, como um ótimo jogo que segue a filosofia do Sonic, onde o personagem jogável se torna mais ágil à medida que o jogador melhora através da memorização e maestria dos controles.

Em 2007, Pulseman foi relançado no Virtual Console do Wii no Japão, e 2009 resto do mundo, permitindo que muita gente conhecesse o jogo pela primeira vez. Foi aí que Pulseman se tornou um clássico cult do Mega Drive. Infelizmente o Wii Shop Channel encerrou os serviços em 2019, e a Game Freak nunca mais relançou Pulseman. Esse é um problema com os demais projetos do estúdio, eles tem mais jogos que ou nunca foram relançados, ou saíram muitos anos depois no Virtual Console do Wii ou Wii U e depois sumiram na escuridão de novo.

Ainda bem que temos ROMs e emuladores nos dias de hoje para curtir essas joias.

Anteriormente nos relembrando da aventura natalina de NiGHTS no Sega Saturn no curioso Christmas NiGHTS da Sonic Team, então dá uma olhada lá.


Diz pra mim, já conhecia o Pulseman? Você acha que a Game Freak tinha que dar mais atenção as suas outras IPs? Comenta aí embaixo. Segue esse blog e compartilha esse post com seus amigos.

Fontes:

Todas as concept arts foram retiradas do livro Ken Sugimiri WORKS
Obrigado ao High Res Pokémon Art pelas artes antigas em alta definição

Comentários

  1. Game Freak poderia relançar esses jogos e sair um pouco da zona de conforto. Esse jogo é legal, eu já joguei ele.

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