Virtua Racing e o boom dos gráficos 3D

Por quase três décadas, clássico arcade da Sega encanta jogadores novos e veteranos. Ainda vale a pena joga-lo? 


A transição do 2D para o 3D foi um período empolgante para o mercado de videogames. Com muita experimentação, as grandes empresas investiam pesado em hardware e jogos capazes de simular "a realidade". Corrida era o gênero preferido para esses primeiros saltos tridimensionais, carros eram fáceis de serem renderizados de forma crível com poucos polígonos, e jogadores de todos os níveis entendiam o conceito básico de um jogo de corrida. Disso saíram arcades impressionantes como o Winning Run da Namco (1988) e o Hard Drivin' da Atari (1989). Mas em 1992 Virtua Racing da Sega foi lançado, e através dele, o curso dos games de corrida 3D foi trilhado. Vamos rever esse clássico da Sega e a importância dele para a indústria dos games no vídeo e texto abaixo:



Primeiras voltas


Ainda nos primeiros anos do mercado, a ainda gigante Atari fazia seus primeiros testes com gráficos 3D. Battle Zone (1980) utilizava gráficos vetoriais para simular um campo de guerra com tanques em tempo real. 



Impressionante para a época, mas logo vetores se mostrariam um limitador para os jogos. Apesar do certo charme que as linhas e polígonos suaves esbanjavam, havia muita limitação no que podia ser desenhado com vetores. Linhas de luz só poderiam ir de um ponto A para um ponto B, sem fazer curvas ou dobras no caminho. Gráficos rasterizados por outro lado, ofereciam potencial quase ilimitado.

A japonesa Sega já experimentava com formas de tornar os jogos mais fieis à realidade. Turbo (1981) se destacava por trazer uma câmera fixada na traseira do carro, e a técnica do sprite scaling, que permitia que o hardware distorcesse os sprites do cenário em tempo real á medida que eles se aproximavam das bordas da tela. Isso permitia uma sensação de profundidade mais suave que outros jogos com gráficos rasterizados.



Porém Turbo foi ofuscado por Pole Position (1982). A máquina da Namco utilizava a mesma técnica de escalonamento de sprites da competidora Sega, mas adaptando um processador auxiliar na placa. A função dessa CPU extra era de apenas renderizar os gráficos da pista, deixando o controle de todos os carros por parte da CPU principal. Olhando Turbo e Pole Position era como dia e noite, o jogo da Namco tinha gráficos mais coloridos, suaves, e efeitos sonoros menos irritantes.



Sega continuou aperfeiçoando a técnica do sprite scaling durante os anos 80 com a ajuda do game designer Yu Suzuki e do seu recém formado estúdio Sega-AM2. Esse é, na minha opinião, um ponto de virada para a Sega, pois a AM2 foi responsável não só por jogos de sucesso, mas também pela criação de algo que eu chamo de "a estética da Sega". Trilha sonora, efeitos sonoros, paleta de cores, formato dos gabinetes, gameplay rápido e divertido eram os elementos presentes em todos os arcades criados por esse estúdio. Hang On (1985) deu início à série "super scalers" da Sega, tratando-se de uma evolução do sprite scalling usado lá atrás em Turbo e Pole Position, mas com gráficos bem mais detalhados, mais sprites na tela, e uma velocidade impressionante sem engasgos. Ainda assim, foi OutRun (1986) que colocou a Sega de vez no mapa e firmou a empresa como uma das maiores produtoras de arcade do mundo.



O game estilo time attack te colocava na direção de uma Ferrari Testarossa - item de desejo na época - para percorrer diferentes pistas até um dos cinco finais alternativos, tudo ao embalo da contagiante trilha sonora original inspirada pelo gênero Beach Music. OutRun deixou claro que tão importante quanto a tecnologia por detrás do jogo, também era a sua apresentação. Esse jogo era rápido, colorido e divertido. Era um jogo que te fazia sorrir só de jogar. Mas de onde seguir daqui?

Primeiros polígonos


A Sega-AM2 continuou produzindo mais "experiências" arcade com a tecnologia do Super Scaling, rendendo jogos como Thunder Blade e After Burner (1987). Todos sucesso por seus próprios méritos, mas progresso precisava ser feito. A Namco já estava desenvolvendo um hardware novo para os arcades desde 1985, sendo feito para não só bater de frente com os super scalers da Sega, mas também oferecer algo diferente. O resultado do projeto foi a placa Namco System 21, ou "Poligonizer", que estreou em 1988 com o jogo Winning Run, um jogo de Fórmula 1 renderizado totalmente em 3D poligonal em tempo real.





Não vale rir não! Em 88 Winning Run era tecnologia de ponta!  O consumidor comum ainda estava jogando seu Nintendinho/Famicom, Atari 2600, ou utilizando computadores 8-Bit, como o Commodore 64. O único lugar onde um jogo como esse poderia existir era só nos fliperamas mesmo.

Winning Run merece destaque pelo seu pioneirismo como jogo em 3D poligonal, abrindo caminho para os próximos jogos do tipo. Com tudo, Winning Run não era perfeito. Embora impressionante de um ponto de vista técnico na época, jogadores se viram diante de um jogo que rodava em 15 FPS, cortando qualquer sensação de fluidez e velocidade. 
 
A System 21 sofria para renderizar os poucos polígonos que faziam os cenários, deixando tudo com um especto bem vazio e sem graça. O carro do jogador era uma combinação de sprites 2D com gráficos 3D, tudo posicionado estrategicamente para salvar recursos da máquina. Por causa disso, a câmera era fixa, não dando muita chance para explorar o cenário tridimensional.

Winning Run era mais um teste para o que poderia vir, do que um jogo divertido. Dentre esse jogo e um Hang On com o controle em forma de moto, Hang On ainda era mais divertido e barato.


A Atari também fez sua parte nessa jornada pelos gráficos 3D com Hard Drivin' de 89. Esse jogo por sua vez chegou a utilizar a System 21 na Namco durante sua fase de protótipo, mas no final foi lançado com hardware próprio. Hard Drivin' é notório por ter sido o primeiro jogo de corrida a ter a função "Replay Instantâneo", que tocava um clipe dos últimos segundos de gameplay do jogador com uma câmera em terceira pessoal. O cenário em Hard Drivin' também era bem mais colorido e complexo que o de Winning Run. Qual seria a resposta da Sega?

"Realidade Virtual"


Em 1992, Virtua Racing da Sega-AM2 chegava aos fliperamas, dando início definitivo à Era do Jogos 3D.



A Sega passou os últimos anos da década de 80 desenvolvendo sua própria plataforma capaz de gráficos 3D, e o resultado foi a placa Sega CG Board - mais tarde rebatizada de Sega Model 1. Esta versão inicial da linha de arcades 3D da Sega era capaz de renderizar 180 mil polígonos por segundo, enquanto matinha uma taxa de 30 FPS sem engasgos. 
 
Para fins de comparação, a System 21 da Namco renderizava até 60 mil polígonos. Tudo isso era possível pois a Model 1 usava polígonos quadriláteros, ao invés dos tradicionais triângulos. Isso permitia cenários e objetivos mais complexos utilizando menos recursos.

Pular de uma máquina de Winning Run para uma de Virtua Racing era como viajar no tempo, pois enquanto o jogo da Namco parecia uma espiadela no futuro, Virtua Racing era o futuro!

"Processadores dedicados à 3D ainda não existiam, então eu tive que manualmente escrever uma engine de gráficos 3D que pudesse compactar e descompactar as coisas rapidamente. Tudo apenas usando linguagem assembly. Hoje, claro, todos programam em C++, mas na época não havia outra escolha senão utilizar código de máquina, do contrário não seríamos capaz de fazer tudo rodar rápido o suficiente."
Yu Suzuki sobre o desenvolvimento da Model 1, revista Strana Lgr, 2013

Virtua Racing era um jogo estilo fórmula 1 como os demais jogos da época: você controla um único tipo de carro e seu objetivo é passar os carros adversários, alcançar os checkpoints antes que o tempo acabe, e completar todas as voltas em 1º lugar. O jogador tinha a opção de usar transmissão automática, ou um câmbio de 7 marchas, sendo a última opção a que te dava mais velocidade. Ao alcançar o pódio, o jogador assistia uma cutscene extra do corredor recebendo o troféu, tudo renderizado em tempo real pela Model 1.



A Model 1, assim como outras placas 3D da época, era incapaz de adicionar texturas aos polígonos, preenchendo todos eles apenas com cores sólidas e algumas sombras bem simples. Ainda assim, a direção de arte do jogo fez um ótimo trabalho em manter tudo sempre muito colorido e vibrante de vida. Você pode perceber que de início o céu tem uma skybox, completa com nuvens e tudo, o que já deixa a paisagem bem menos vazia. Palmeiras balançam ao vento, o cata-vento do moinho gira, e tem até uma roda gigante em operação na primeira pista. 
 
Tudo posicionado meticulosamente longe um do outro para dar a cada pista uma identidade própria e ao jogador sempre uma informação visual nova a cada sessão da pista. Nunca o jogador ficaria entediado de ver sempre o mesmo cenário, dava vontade até de sair da pista e explorar todos os arredores. Falando em pistas, Virtua Racing trazia três estágios:


Big Forest era a pista inicial indicada para jogadores novatos. A primeira sessão passava por uma floresta de pinheiros com muitas curvas fechadas, uma pequena ponte, e terminava com uma vista de um parque de diversões.



Bay Bridge era o estágio mediano que tinha uma grande ponte vermelha como destaque. Logo de inicio o jogador tinha que passar por um túnel dentro da montanha, e sair próximo de uma área rural. Dava até para avistar uma vaca solitária na grama.


Acropolis era a pista para jogadores de nível avançado. Você correrá em pistas bem apertas, próximo de uma espécie de resort, podendo ver barquinhos e algumas casas nas montanhas. Tome cuidado na curva super fechada ao final da pista, é ela que separa o casuais dos profissionais!

Cada uma dessas pistas tinha seu próprio jingle inicial e jingles de voltas completadas. Virtua Racing não tinha uma trilha sonora que tocava durante o gameplay, o compositor Takenobu Mitsuyoshi deu temas apenas para os poucos menos e alguns curtos jingles durante as corridas. Por esse motivo, em 90% do gameplay você apenas ouvirá o som da turbina à jato do seu carro. Sério, quem botou combustível de foguete nesses carros?! Ainda assim, cada jingle é bastante memorável e você se pegará cantarolando alguns deles - novamente retornando à aquele papo da estética e apresentação da Sega. Eu particularmente gosto do tema do Pit Stop que canta "GO, GO, GO, GO...", tipo, nem o jogo gosta de ficar parado.



Tudo isso era acompanhado dos brilhantes e precisos controles do gabinete, essenciais para um bom jogo arcade de corrida. Por falar no gabinete, Virtua Racing também se destacava nesse departamento. Haviam três variações disponíveis para os jogadores: o gabinte Upright era a versão básica e mais barata, se assemelhava ao demais gabintes de jogos da época.



O gabinete Twin tinha duas máquinas acopladas para partidas 2 jogadores VS. O jogo não dava carros diferentes para o outro jogador, então o outro carro apenas recebia uma paleta de cores diferente. Caso um jogador estivesse fora da partida, o outro monitor mostrava a partida do jogador sob uma visão aérea, imitando uma transmissão de corrida de fórmula 1 pela TV, com direito a um juiz no canto observando tudo.



O último era o gabinte Deluxe, o mais cobiçado e mais caro. Esse gabinete gigante e no formato de fórmula 1 era notório por vir com um monitor 16:9 embutido, fazendo de Virtua Racing o primeiro arcade a rodar nativamente no formato widescreen. O marketing da Sega chamava isso de "Wide Vision", e ajudava a imergir o jogador ainda mais no jogo. Incrivelmente, o jogo continuava rodando muito bem em widescreen, mesmo tendo que renderizar mais polígonos para preencher o resto do quadro. A Sega sempre levou as suas experiências arcade muito á sério, afinal, ela foi uma empresa que nasceu construindo brinquedos eletromecânicos para parques de diversão.




Existiu ainda uma quarta variante, intitulada de "Virtua Formula". Essa versão do jogo foi feita como atração de porte médio para parques de diversão, e podia ocupar um quarto inteiro. O jogo e o hardware são os mesmos, mas esse gabinete tinha 8 Model 1s ligadas para partidas de até 8 jogadores VS. Cada jogador aqui tinha uma tela de 50 polegadas própria em conjunto com seu gabinete Deluxe.


Variante de 4 jogadores

No painel dos gabinetes você encontrava quatro botões coloridos, chamas de VRs. Esses botões serviam para trocar a posição da câmera do jogo entre a visão normal traseira, uma mais distante, uma da visão do piloto, e outra aérea. Todas essas câmeras podem ser muito úteis em diferentes sessões das pistas e ajudar na hora de realizar uma curva difícil. Essa liberdade de mudar a câmera e ver mais do cenário também mostrava como Virtua Racing não tinha nada para esconder, pois todas as montanhas, vales, árvores e construções foram precisamente organizados para fazer parte da direção de arte. Eu digo, esse jogo envelheceu muito bem.



Legado de peso


Virtua Racing foi um sucesso de público e crítica, e deu início a duradoura série de jogos "Virtua" da Sega, que chegou a abranger outros gêneros, como luta e tênis. A equipe liderada por Yu Suzuki realizou um feito notável, pois até os dias de hoje o jogo continua bonito e divertido. O jogo foi portado e adaptado para outras plataformas ao longo dos anos - umas com mais sucesso que as outras. A versão mais recente é a Sega Ages Virtua Racing lançada para o Nintendo Switch em 2019, pelas mãos da M2, eu recomendo fortemente essa versão.



Mas para nós, pobres mortais, a versão do arcade pode ser emulada no MAME, e existe uma recriação com fases extras para o PS2 chamada Virtua Racing: Flat-Out.



O gameplay e visual de Virtua Racing também inspirou jogos Indies anos mais tarde, como o jogo brasileiro Horizon Chase Turbo, e o recente Hotshot Racing.

Mas não podemos ficar parados, ou os rivais passam a nossa frente. Com o aprendizado da Model 1 e Virtua Racing, a Sega começa os preparativos para uma sequência, mas ela terá uma ajuda inesperada. Isso é assunto para um outro dia. Comenta aí embaixo a sua experiência com Virtua Racing e os arcades da Sega. Segue esse blog e compartilha esse post com seus amigos.

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Referências:
Atari Hard Drivin': Giant Bomb
Namco Winning Run: Giant Bomb
Namco System 21 hardware:  Giant BombCodex Gamicus
Virtua Racing: Giant BombSega Retro
Sega AM2: Sega Retro
Entrevista Yu Suzuki: Shenmue Dojo

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